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| (Girl With Balloon — Bansky /Londres, 2002) |
O grafite é uma arte de rua que infelizmente é marginalizado e tratado apenas como pichação, por vezes é associado ao vandalismo de patrimônio. O que muitas pessoas ignoram é que grafite e pichação são duas coisas diferentes, o Grafite é elaborado, cheio de técnicas, nele se trabalha com stencil, latas de spray e seu conteúdo possui valores críticos e tecnicamente artísticos. Já o ato de “pichar uma parede” é algo que se pauta mais em um conteúdo escrito que vai desde linguagem chula à um caráter político. Mesmo sendo algo levado para a esfera marginal e encarado como poluição visual, na minha opinião a pichação pode sim possuir um valor artístico e mais, acredito que a pichação tem valor linguístico e comunicacional tendo em vista que algumas mensagens pichadas possuem variados símbolos e uma complexidade única, por vezes podendo ser “decodificada” por um indivíduo ou grupo.
A arte de grafitar também está ligada a outras formas de arte, uma delas é o Hip-Hop. Enquanto a conjuntura sonora desse gênero musical é constituída por letra e ritmo que denunciam as mazelas de uma sociedade marginalizada, do desprezo sofrido por uma minoria que encontra na arte a oportunidade de ter sua voz finalmente ouvida, para representar isso graficamente o grafite é usado aqui como uma extensão visual desse clamor que denuncia esse caos social evidenciado pelo movimento Hip-Hop.
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| (Grafite e Hip-Hop / 1970) |
A meu ver, esse é um dos motivos para a demonização do grafite, sua influência sob o inconsciente coletivo, o impacto de suas mensagens visuais é forte, mensagens de caráter político, social e subversivo (mesmo apenas um simples desenho, seu valor está na ressignificação da paisagem urbana). Esse impacto causado pela maior proximidade do grafite com pessoas dos mais variados tipos, classe e formação é a grande responsável por sua enorme demonização e descrédito enquanto expressão artística; para melhor entender isso, pense na seguinte questão: Um quadro exposto em um museu terá um menor impacto no inconsciente coletivo, pois a o alcance desse impacto é sem sombra de dúvidas menor, pois a pessoa deve, por escolha, se dirigir a um museu e apreciar tal obra. Agora, o impacto provocado por uma arte de rua é exponencialmente maior, pois este se encontra aberta, livre, em uma parede, em contato direto com o observador, normalmente se encontra em um espaço de grande movimentação e fluxo de pessoas, em avenidas, becos, muros, fachadas, escadas e etc.
O problema que sempre batemos na tecla é : “Mas tudo isso não é violação do espaço público e/ou privado? Se não está autorizado, o espaço não pertence ao grafiteiro!?” Pois então, o espaço, a cidade, são esses os pontos chaves dessa discussão. A cidade, frenética, naturalmente em paleta cinza, onde tudo é movido pela pressa e rotina de tal maneira que detalhes passam despercebidos…e repentinamente…nos deparamos com um muro, muro que anteriormente era sem vida e monótono como qualquer outro elemento urbano, agora, tomado por gravuras em stencil e cores vibrantes, que, em contraste com todo o resto ao redor, percebê-lo é quase inevitável podendo até acender uma reflexão provocadora acerca desse espaço. Há quem irá ignorar, alguns também irão ver como um ultraje ao paisagismo urbano, um elemento desconexo que não se comunica com o restante, até mesmo o velho discurso equivocado: “Lugar de arte não é na rua, mas na tela ou no papel.”
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| (Sampa — cidade sem cor. Foto de Alberto Santos) |
Como aqui eu me coloco em defesa da arte de rua, discordo completamente desse discurso de inferiorização do grafite enquanto arte. Vejo toda e quaisquer representações artísticas como representantes de algo essencialmente humano (cada uma com suas particularidades), a arte é feita pelo homem, para o homem, a fim de transformá-lo enquanto homem; deste modo o homem se encontra em uma constante transformação. Por sua vez, o homem naturalmente transforma o espaço em que ele ocupa, o espaço é criado e modificado conforme nossa atuação nele; é uma relação mútua de mudança, somos transformados pelo espaço que ocupamos e consequentemente também o mudamos. Somos dotados de capacidade comunicativa, as cidades são antros de comunicação, vendo dessa forma, os
grafites espalhados em meio a mesmice urbana são mais que uma arte crítica e contemplativa, pois além disso, os grafites são instrumentos comunicacionais.
Portanto, acredito que a ressignificação do contexto urbano é o que mais perturba quem descaracteriza a arte de rua, esse tipo de juízo negativo sem fundamentação é fruto de um preconceito herdado por uma insistência de se permanecer estagnado em uma rotina em tons de cinza. Se a transvaloração artística em sua pluralidade incomoda, é a arte mais uma vez se provando necessária. Isso não é arte pela arte, é inquietação, é provocação…isso é ser Humano.



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